por Washington Novaes*
* Washington Novaes é
jornalista.
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.
09/4/2014 - 10h54
Dizem as últimas pesquisas
de intenção de voto (Estado, 21/3) que “a maioria absoluta (56%) dos
eleitores tem pouco ou nenhum interesse pelas eleições”. E 64% “gostariam que o
próximo presidente mudasse tudo ou muita coisa no governo”.
É um panorama muito
preocupante. Porque ainda se pode agravar até a eleição, com vários
fatores em cena – como a persistência da inflação, a economia em momento
incerto, o quadro urbano sem perspectiva de melhoras, a violência em altos
patamares, etc.
E por que não muda? Em
entrevista recente na televisão, o ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal
Federal– que tem rejeitado convites para ser candidato a presidente -,
mencionou a “erosão das instituições” como centro da questão. Fez lembrar a
interpretação de vários estudiosos, já citada aqui, de que “o Estado se tornou grande
demais e não consegue aproximar-se dos problemas do cotidiano do cidadão
comum, ao mesmo tempo que é pequeno demais para resolver as grandes questões em
âmbito nacional ou planetário”.
De fato.
Quem pode conformar-se
com o caos urbano, o déficit da área do lixo (260 mi toneladas diárias,
com mais de metade dos municípios ainda levando os resíduos para lixões, segundo o
Ipea), o déficit no saneamento (8% da população sem água potável nos
domicílios, quase 40% sem ligação com redes de esgotos, só 38% dos
esgotos coletados com tratamento), a violência em níveis alarmantes (32
homicídios por 100 mil habitantes, ante 2/100 mil na Grã-Bretanha, 5/100 mil
nos Estados Unidos)? Mas o poder público só está investindo em
saneamento menos de metade do que seria preciso para universalizar água e
esgotos até 2023, como prometera. Os municípios, que já esgotam o prazo para
apresentar planos diretores de resíduos a fim de se candidatarem a recursos
federais, não o fizeram e querem prorrogação. E o Senado rejeitou em comissão o
projeto de baixar para 16 anos a maioridade penal.
Enquanto isso, multiplicam-se os incentivos e
isenções de impostos para os “grandes”, ao mesmo tempo que o estoque do que a
administração tem a receber (tributos atrasados, contribuições para a
Previdência e outros itens) ultrapassa R$ 1 trilhão – quase 25% do produto
interno bruto (Folha de S.Paulo,15/3). Nove Estados, por exemplo, concederam em
incentivos fiscais R$ 33 bilhões mais do que aplicaram em obras e serviços
durante um ano. E isso na hora em que o governo federal destina a Estados
amazônicos, para ajuda a centenas de milhares de desabrigados pelas inundações
inéditas, irrisórios R$ 2 milhões.
Há quem pense com otimismo
nas perspectivas brasileiras no comércio exterior. Mas a balança
comercial está em déficit – US$ 6,2 bilhões em dois meses deste ano,
segundo artigo do diplomata Rubens Barbosa neste jornal em 11/3 (A2) -, que
pode aumentar, segundo a União Europeia, porque as exportações crescerão abaixo
da média mundial nos próximos dois anos (Estado, 27/2). A Standard & Poor’s
rebaixou a nota brasileira em matéria de risco e pode fazê-lo novamente (25/3)
– pelo menos é o que pensa o ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola.
No entender de analistas
políticos, até aqui a visão da maioria da população quanto à administração
pública tem sido influenciada pela ascensão de parcela importante das pessoas
de menor renda à “nova classe média”. A renda dos trabalhadores no País passou
de 39% do PIB em 2002 para 48% este ano (23/3), aumentando seu consumo e o
nível de atividade da indústria e do comércio. Há, entretanto, ameaças no
horizonte, com o aumento do custo da cesta básica e sua repercussão em
praticamente todas as áreas. Taxas de juros estão subindo. Nos últimos 12
meses, esse item pesou com R$ 256,6 bilhões nas contas públicas, ou 5,2% do PIB
(O Globo, 8/3). E a dívida chega a R$ 1,67 trilhão.
Em sua primeira campanha
eleitoral para a presidência dos Estados Unidos, Barack Obama teve como
slogan principal a frase “yes, we can” (“sim, nós podemos”), que representava
exatamente a convicção de que a sociedade conseguiria mudar, com seu voto, o
panorama da política e da administração norte-americana. O eleitorado
acreditou, apoiou, votou. Mas, ao que parece, as mudanças não ocorreram na
medida desejada, mesmo num país de Primeiro Mundo com os recursos dos Estados
Unidos. A oposição de parte decisiva do Congresso e de muitos dos setores mais
poderosos da economia levou à queda de prestígio do presidente. Hoje às voltas
também com um quadro internacional complexo e ameaçador.
Parece claro que em todos os
lugares – não somos exceção – será preciso chegar aos caminhos de maior
delegação de poder das áreas governamentais para a própria sociedade. Já tem
sido mencionada neste espaço, por exemplo, a possibilidade de se criarem
conselhos de cidadãos que concebam e acompanhem a execução de todo o orçamento
(em subprefeituras, por exemplo), fiscalizem a execução, punam quem não
respeitar. Só que as corporações políticas têm demonstrado repúdio total e
silêncio, na melhor das hipóteses, a propostas nessa direção, como já ocorreu
na Câmara Municipal paulistana. Que dirá em outras áreas mais complexas ainda.
É preciso não esquecer que existe
a possibilidade de o nosso quadro interno tornar-se mais problemático. De o
panorama econômico ser menos favorável, como tantos analistas admitem. De as
condições climáticas continuarem difíceis e influírem em setores como o da
cesta básica, ou o dos exportações, ou nas condições de vida das populações,
especialmente nas cidades maiores. E ainda, em função desses fatores, ou de
protestos mais amplos (que a própria Copa do Mundo pode favorecer),
enfrentarmos momentos sociais complicados, com repercussões políticas.
Não se trata de pessimismo,
apenas de cautela. E da necessidade de conceber rumos adequados para o País.
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