por Ricardo Abramovay*
* Ricardo Abramovay é professor titular do Departamento de Economia da FEA/USP.
08/4/2014 - 12h08
O modelo produtivo que consiste em retirar matérias-primas da
natureza, processá-las, oferecer os resultados ao consumo e descartar seus
remanescentes está com os dias contados. Essa forma linear de
utilização dos recursos, típica da sociedade do jogar fora, será substituída
por uma economia circular e regenerativa. O conceito vem sendo utilizado por
inúmeras organizações e especialistas.

Agora, acaba de receber uma síntese extraordinariamente
benfeita no Fórum Econômico Mundial. Desta vez, a Fundação apoia-se na
consultoria McKinsey e alia-se ao Fórum Econômico Mundial em uma proposta
com potencial de mudar a qualidade da discussão contemporânea sobre desenvolvimento
sustentável. Não se trata de reciclagem, nem de temas que interessam
estritamente aos especialistas em resíduos sólidos. O objetivo tampouco se
restringe a valorizar as formas localizadas de recuperação de rejeitos.
[2] Acesse o relatório aqui.
Fronteira de Inovação
A ambição desse indispensável
relatório é incorporar a ideia de economia circular ao
âmago das cadeias globais de valor. Algo como uma logística reversa global
e que exerça influência estratégica sobre o design dos produtos, seu consumo e
a recuperação dos materiais em que se apoia. Uma proposta de planejamento
econômico que vem dosetor privado e que estabelece metas sobre a maneira
como se utilizam os recursos materiais, energéticos e bióticos dos quais
depende a reprodução social.
O crescimento econômico mundial
entre 1850 e 2000 teve nos preços declinantes das matérias-primas minerais e
agrícolas um de seus vetores decisivos. Essa tendência secular foi revertida
desde o início do milênio. Em meio à inédita volatilidade, os preços
médios das commodities (incluindo petróleo, claro) aumentaram 150% entre
2002 e 2010.
Em nenhuma década do século XX, a volatilidade
dos preços dos minérios e das commodities agrícolas (alimentares e não
alimentares) foi tão forte como desde o ano 2000. A entrada nos mercados
globais de mais de 3 bilhões de novos consumidores até 2025 pressiona a disponibilidade
de recursos indispensáveis para a indústria e aumenta seus custos de
exploração.
Existem duas condições para que a
economia circular ofereça alternativa a esse estrangulador aumento de
custos. A primeira reside na identificação dos objetos por radiofrequência e,
portanto, na possibilidade de seu rastreamento, independentemente de onde
estejam. A “internet das coisas” é uma das bases centrais da economia circular:
hoje existem mais objetos do que pessoas ligadas entre si por dispositivos
digitais: 12 bilhões de dispositivos em 2010, com previsão de aumento para 25
bilhões em 2015 e 50 bilhões em 2020. A visibilidade das bases materiais e
energéticas dos processos industriais é hoje maior que nunca e só tende a
crescer.
Em sua planta de Choisy-le-Roi, a
Renault fabrica peças de reposição com base no reaproveitamento de
remanescentes usados, o que reduz os preços ao consumidor, diminui o consumo de
água, energia e as emissões de gases de efeito estufa. Nesse sentido, os
exemplos pioneiros contidos no relatório parecem muito promissores.
A segunda condição decisiva para
a economia circular é de natureza política e, de certa forma, ética. Ela
envolve intenção e articulação entre atores econômicos. Uma economia circular
supõe design voltado para eliminar a noção de lixo. Para isso, não se pode
contar com o movimento espontâneo das forças de mercado. O relatório sugere um
conjunto específico de materiais (papel, papelão, plásticos, produtos
siderúrgicos, entre outros) para os quais devem ser criados, durante os
próximos cinco a dez anos, mecanismos que permitam ampliar exponencialmente sua
reutilização.
Trata-se de uma das mais
fascinantes fronteiras da inovação contemporânea e que só poderá emergir se as
cadeias globais de valor se reorganizarem para obedecer a essa lógica de
revalorização de seus nutrientes técnicos e bióticos.
É impossível saber se as
condições políticas para tal conquista civilizacional no plano produtivo estão
dadas. Mas, se ela ocorrer, os países cujo crescimento vem basicamente da exploração de
matérias- primas minerais e agrícolas e que estão na retaguarda da
sociedade da informação em rede enfrentarão imensas dificuldades para acelerar
seu processo de desenvolvimento.
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