por
Washington Novaes*
Não há como não prestar atenção: são cada vez mais frequentes na comunicação
mais especializada informações sobre teses e análises no âmbito econômico que já
não se referem às crises do nosso tempo apenas como ciclos em que se exaurem
modelos de relações governamentais, empresariais e sociais – à espera de que
novas fórmulas nesses âmbitos sejam capazes de levar a novos ciclos de
crescimento econômico e prosperidade. Essas novas teses se centram
progressivamente na análise do que está sendo chamado de caminhada rumo à
exaustão dos “limites físicos” do planeta – o que implicaria a impossibilidade
de continuar tentando trafegar por sendas que exijam maior consumo desses
recursos com o objetivo de assegurar o crescimento econômico.
Ainda há poucos dias o tema voltou à baila com o lançamento do livro do
ex-presidente do BNDES (governo FHC) André Lara Resende sob o título Os Limites
do Possível – A economia além da conjuntura, onde o autor enfatiza o
esquecimento da estrutura física da Terra, seus limites, nas análises da
realidade econômica e social (Valor, 26/4). Para ele, “a economia não é uma
ciência exata, é parte das ciências sociais”, e “foi levada a um beco sem saída,
ficou estéril”, exatamente por não considerar devidamente os limites físicos da
realidade. Nas condições atuais de recursos, “é impossível manter 7 bilhões de
pessoas com padrão semelhante ao dos países desenvolvidos”.
Outros autores têm até quantificado o impasse: hoje a média de uso/consumo de
recursos materiais no mundo é de 7 toneladas anuais por pessoa – ou 50 bilhões
de toneladas totais e, nos padrões atuais, evoluindo para 63 bilhões de
toneladas anuais, com 9 bilhões de habitantes nas próximas décadas.
Insustentável, a ponto de já haver quem planeje viagens espaciais para buscar em
outros planetas materiais escassos ou em esgotamento por aqui, principalmente
para áreas como informática, comunicações e outras. E com agravantes. Relatórios
da ONU-Habitat e do Painel de Recursos do Pnuma, ao destacarem que é preciso
investir em infraestruturas sustentáveis para reduzir a degradação ambiental e a
pobreza, lembram que 75% dos recursos do mundo são consumidos nas cidades, que
têm pouco mais de 50% da população, mas evoluirão para 70% até 2050 e para maior
consumo de recursos.
Quem tiver memória há de se lembrar do pronunciamento do secretário-geral da
ONU, Ban Ki-moon, na conferência Rio+20, quando causou polêmica ao afirmar que
“o modelo econômico e social no mundo está falido”, para depois substituir a
palavra “falido” por “exaurido”. O economista Gian Carlo Delgado Ramos, da
Universidade Nacional Autônoma do México, comenta (Nueva Sociedad, março/abril
de 2013) alguns números que corroboram o pensamento do secretário-geral da ONU:
enquanto no século 20 a população mundial se multiplicou por quatro, o consumo
médio de energia multiplicou-se por 12; o de metais, por 19; o de materiais para
construção, por 34. Com a agravante de que 10% da população consome 40% da
energia e 27% dos materiais. Ao mesmo tempo, 20% da população concentra 83% da
riqueza, enquanto os 20% mais pobres ficam com 1,4%. E 5% da população gera 25%
do lixo. Não seria, assim, espantoso que uma equipe de matemáticos e filósofos
do Instituto do Futuro da Humanidade, da Universidade de Oxford, esteja prevendo
que “o fim do Homo sapiens pode chegar ainda no final deste século”. Ao lado dos
“desastres naturais”, a ameaça estaria no uso sem limites da biologia sintética,
das nanotecnologias no nível atômico ou molecular, no uso de inteligência
artificial (EcoD, 26/4).
Não estranha, também, que Mikhail Gorbachev, o criador da perestroika e da
glasnost, que acabaram transformando a área socialista, venha dizer agora
(Estado, 19/4) que o mundo sofre com um “déficit de líderes e essa situação pode
ser catastrófica para o ambiente”. Jean Ziegler, ex-relator da ONU para o
combate à fome, ao lançar o livro Destruição em Massa – Geopolítica da Fome
(5/5), transpõe a questão para o caso do Brasil – que, a seu ver, precisa de uma
“virada de 180 graus em sua política de combate à fome”, porque o Bolsa-Família
chegou ao limite assistencial; e o governo não consegue avançar por causa dos
acordos de sustentação política no Congresso, onde a bancada ruralista impede
políticas adequadas para a agricultura familiar e de pequenas propriedades (que
respondem por 70% do abastecimento interno). O ex-ministro Mangabeira Unger
aponta para “o esgotamento do modelo desenvolvimento interno”, segundo ele,
“montado sobre a expansão do consumo e exploração da natureza”. Um novo modelo
precisaria de “produtivismo includente, educação capacitadora e democratização
aprofundada” (Folha de S.Paulo, 9/5).
Chega-se a Herman Daly, da Escola de Políticas Públicas da Universidade de
Maryland, autor de numerosos estudos e relatórios da ONU. Estamos, diz ele,
diante do fracasso da economia voltada para o crescimento; “é preciso tentar uma
economia do estado estacionário(…) os países ricos devem reduzir o aumento de
seu padrão para deixar livres recursos e espaço ecológico, de modo que estes
possam ser usados pelos países pobres”; ao mesmo tempo, “concentrar seus
esforços no plano interno no desenvolvimento de melhores técnicas que possam ser
compartilhadas livremente pelo resto do mundo” (Nueva Sociedad, março/abril de
2013). E mais: “O crescimento econômico já se transformou em antieconômico. A
economia voltada para o crescimento está fracassada. A expansão quantitativa do
subsistema econômico faz com que os custos ambientais e sociais cresçam mais
rapidamente que os ganhos da produção; e assim nós temos mais pobres, e não mais
ricos”.
No momento em que a ONU ressalta que faltam mil dias para a aprovação dos
Objetivos do Milênio, essa discussão toda certamente ocupará o centro do
palco.
* Washington Novaes é jornalista.
* Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.
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