Editais mal formulados de licitação, falta de transparência e fiscalização
deficiente compõem o cenário que tornou o lixo – não apenas no Brasil, mas em
boa parte do mundo – um chamariz de corruptos.
Lixo é assunto de prefeito. É dele a
responsabilidade pelo sistema de coleta, transporte e destinação final dos
resíduos. Invariavelmente os prefeitos recorrem a serviços terceirizados para
cumprir essas funções. Editais mal formulados de licitação, falta de
transparência e fiscalização deficiente compõem o cenário que tornou o lixo –
não apenas no Brasil, mas em boa parte do mundo – um chamariz de corruptos.
O mercado se baseia no peso do lixo. Cobra-se pela
tonelada de resíduo transportada de caminhão (as empresas do setor são
remuneradas com base em estimativas de carga nem sempre precisas) e pela
tonelada de resíduo que dá entrada em aterros sanitários (onde balanças
rodoviárias deveriam aferir o peso e cobrar pelo descarte). Para cada tipo de
resíduo há um valor específico, dependendo da periculosidade da carga. O custo
da tonelada de resíduos industriais perigosos, por exemplo, pode chegar a mil
reais, enquanto o lixo domiciliar flutua numa faixa de quarenta reais.
Não é difícil imaginar porque a maioria dos
prefeitos no Brasil – sem o amparo de uma boa assessoria técnica – ainda
destinem seus resíduos em vazadouros clandestinos. Invariavelmente eles herdam o
problema de seus antecessores, temem os custos inerentes a destinação correta
dos resíduos, e mantém a rotina criminosa de descartar o lixo em lugar impróprio
alugando o serviço de uma empresa de transportes pelo preço médio de cinco reais
a tonelada. Há também a presunção de que cuidar bem do lixo não dá voto, além do
risco de não conseguir resolver o problema até o fim do mandato. Em resumo:
melhor deixar tudo como está, ainda que uma nova Lei Federal – a Política
Nacional de Resíduos Sólidos – estabeleça o prazo limite de 2014 para a
existência de lixões em território nacional.
É preciso deixar claro que todas as ações em favor
da destinação inteligente dos resíduos (reciclagem do lixo seco, compostagem do
lixo úmido, reaproveitamento de entulho, produção de energia, etc.) encontra
forte resistência de prefeitos mal informados, incompetentes ou que agem de má
fé por obterem alguma recompensa ilícita despejando o lixo em vazadouros. Estes
encontram o apoio de empresários que se locupletam das estimativas grosseiras –
invariavelmente arredondadas para cima – do peso de lixo que levarão em seus
caminhões sabe lá Deus pra onde.
Ainda que o município disponha de um aterro
sanitário – ou tenha a opção de descartar o lixo num depósito credenciado no
município vizinho – pode-se coletar o material e evitar a cobrança feita pelo
aterro (os recursos ajudam a cobrir os custos do tratamento dos gases e do
chorume, além do manejo adequado dos resíduos) despejando em outro lugar
qualquer onde ninguém flagre o lançamento e nem cobre por isso. A situação é
particularmente grave quando se trata dos “Resíduos Classe 1″, também chamados
de resíduos perigosos, por terem as seguintes características definidas pela
ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) : “inflamabilidade,
corrosividade, reatividade, toxicidade e patogenicidade”. Lixo hospitalar e
resíduos industriais, por exemplo, se enquadram nessa categoria.
Por razões óbvias, tanto o transporte quanto a
destinação final desse lixo perigoso determinam cuidados especiais e custos
elevados, razão pela qual a tentação de não seguir a risca o que determina a lei
para economizar uns trocados é gigantesca. Como o Brasil é um país continental,
há muitas rotas de fuga para despejar esses resíduos em lugares inadequados, com
enormes riscos à saúde humana e ao meio ambiente. É expressiva a quantidade de
áreas contaminadas nas cercanias das zonas industrias do Brasil. A Rede Latino
Americana de Prevenção e Gestão de Sítios Contaminados (Relasc) disponibiliza
farto material a respeito no site da entidade http://www.relasc.org. Apenas no
Estado de São Paulo existem 2.272 áreas comprovadamente contaminadas.
Esse problema não seria tão preocupante se houvesse
vontade política para fiscalizar caminhões e carretas e cobrar dos respectivos
motoristas o “manifesto de resíduos”, uma declaração exigida por lei que
especifica origem, destino e classificação do lixo transportado. Cabe aos órgãos
ambientais estaduais a devida fiscalização desses materiais. Mas, aqui entre
nós, alguém parece preocupado com isso? E os seus candidatos a prefeito e a
vereador? Qual a posição deles sobre tudo isso? Em tempo de eleições municipais,
convém prestar atenção de que lado eles estão. Esse é o tipo de assunto sobre o
qual não dá para ficar em cima do muro. Quem está a favor da máfia do lixo, está
contra você e a sua cidade.
* André Trigueiro é jornalista com
pós-graduação em Gestão Ambiental pela Coppe-UFRJ onde hoje leciona a disciplina
geopolítica ambiental, professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da
PUC-RJ, autor do livro Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um
Planeta em Transformação, coordenador editorial e um dos autores dos
livros Meio Ambiente no Século XXI, e Espiritismo e Ecologia,
lançado na Bienal Internacional do Livro, no Rio de Janeiro, pela Editora FEB,
em 2009. É apresentador do Jornal das Dez e editor chefe do programa Cidades e
Soluções, da Globo News. É também comentarista da Rádio CBN e colaborador
voluntário da Rádio Rio de Janeiro.
** Publicado
originalmente no site Mundo Sustentável.
(Mundo Sustentável)
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