terça-feira, 26 de junho de 2012

Balanço da Rio+20

Compartilhamos que ajudam a fazer um balanço da Rio+20.

Sem ações, conferência delineou agenda

Por Francisco Goes, Daniela Chiaretti, Fernando Exman, Guilherme Serodio e Rodrigo Polito | Do Rio

A expectativa de que a Rio+20 pudesse transformar conceitos adotados na Rio92 em ações concretas para o desenvolvimento sustentável não se confirmou - a cúpula este ano foi bem mais fluida que a de 20 anos atrás. Se a Rio92 pôs a questão ambiental no mapa, fechando duas convenções e amarrando uma terceira, a Rio+20 sinaliza apenas com uma agenda. Essa é a grande diferença entre as duas megaconferências: enquanto a anterior amarrou os países em compromissos obrigatórios, a Rio+20 é um exercício global voluntário.
A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva faz esta análise e diz que a Rio+20 "sepultou um processo". Ela lembra que, há 20 anos, só os EUA não queriam que as questões ambientais fossem resolvidas pelo multilateralismo. Mas agora, compromissos voluntários foram a tônica do evento. Na Rio92 foram assinadas as convenções do Clima e da Biodiversidade, dois marcos da dimensão ambiental contemporânea, e chegou-se ao embrião da Convenção da Desertificação. A Rio+20 tem apenas o documento político "O Futuro que Queremos", sem força legal.
O cenário atual é mais complexo e com mais atores participando do processo do que há 20 anos. O secretário-executivo da Rio92 era o canadense Maurice Strong, o da Rio+20 foi o diplomata chinês Sha Zukang, um indicador da mudança geopolítica no mundo. O que persiste é o debate norte-sul de quem vai pagar a conta do desenvolvimento sustentável e como irá se transferir tecnologia dos países desenvolvidos para os demais.
"A aritmética da negociação não funciona mais da mesma forma. É um mundo muito difícil. O que emerge da Rio+20 é um padrão diferente de liderança", disse Achim Steiner, diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Steiner avaliou que o documento adotado mediante resolução pelos chefes de Estado e de governo, e que agora será incorporado às legislações das Nações Unidas, é um texto que tem muito a contribuir para o desenvolvimento sustentável: "O documento é rico em ações, em iniciativas e em programas."
A Rio+20 também incorporou elementos novos, que não estavam presentes no debate há 20 anos, como participação efetiva da sociedade civil organizada e da comunidade de negócios. Também marcou a existência de um espírito voluntário nas ações de governos, empresas e instituições em relação ao desenvolvimento sustentável.
Falou-se em mobilizar mais de US$ 513 bilhões durante a Rio+20 em compromissos voluntários para o desenvolvimento sustentável, incluindo áreas como energia, transporte, economia verde, redução de desastres, desertificação, água, florestas e agricultura.
Um ganho incontestável da Rio+20 foi a participação da sociedade civil. Pelo Riocentro passaram 45.381 pessoas. Na Rio92, haviam sido 17 mil, segundo Nikhil Chandavarkar, diretor de comunicações da ONU para a Rio+20. Na era da comunicação digital e das relações virtuais, a página em português da Rio+20
recebeu mais de um milhão de acessos só na última semana. No twitter teve um bilhão de acessos.
No Riocentro, na zona oeste do Rio, que hospedou novamente o encontro das Nações Unidas, os Estados Unidos tiveram participação tímida atuando forte nos bastidores para travar algumas questões. Os emergentes pressionaram por resultados e pela posição que proteja seu crescimento. O Brasil, na condição de anfitrião, buscou o acordo possível.
O negociador-chefe do Brasil no encontro, embaixador André Correa do Lago, considera que a Rio+20 foi uma conferência de ação porque criou processos. "Mas, mais do que isso, estabeleceu os instrumentos para poder atuar de maneira decisiva nessa questão da mudança dos padrões sustentáveis de produção e de consumo não só com um plano de dez anos, mas com a criação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável [ODS], que vão orientar o mundo, as economias, de maneira objetiva", afirma.
"Creio que o documento da Rio+20 é muito marcante porque diz que a maior prioridade do mundo é a erradicação da pobreza e, a segunda, é a mudança dos padrões de produção e de consumo. Isso é uma mensagem fortíssima porque está dita em um contexto de que a erradicação da pobreza é possível", disse.
Ele lembrou que em 1992 havia uma visão muito mais modesta do que poderiam fazer os países em desenvolvimento. "Havia a percepção de que os países desenvolvidos tinham encontrado uma fórmula certa e tínhamos que buscar uma maneira para que os outros pudessem fazer da mesma forma." Hoje, segundo ele, a situação é completamente diferente.
"A fórmula dos países desenvolvidos mostrou ser muito desafiada pelas circunstâncias recentes e, por outro lado, os países em desenvolvimento mostraram soluções muito impressionantes nas áreas de erradicação da pobreza, ambiental e econômica", prosseguiu. "Acho que a Rio+20 é uma conferência contemporânea."
A partir de agora fica a expectativa de como vai ser a implementação de mais de uma dezena de medidas que foram adotadas no documento pelos 193 países da ONU. A reunião da Assembleia Geral das Nações Unidas, a partir de setembro, vai discutir esses pontos. No tema financiamento do desenvolvimento sustentável, por exemplo, deve se produzir um relatório sobre os fluxos de recursos disponíveis que deve ser concluído até 2014.
Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda e presidente honrária da Oxfam, disse que a "Rio+20 se realizou em uma época mais crítica, os problemas são muito mais urgentes. Ela registrou, porém, que a falta de liderança política é preocupante. "Mas o que me dá esperança é que a sociedade civil, os sindicatos, grupos de mulheres e de jovens, mesmo a comunidade de negócios, entendem a urgência do problema."
Outro ponto de implementação a ser discutido na Assembleia Geral a ONU são os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. A partir de setembro, deve se definir uma comissão com 30 representantes que terá um ano para entregar à assembleia geral das Nações Unidas um informe com opções de ODS. "Os ODS tiveram um parto muito difícil na Rio+20 e não sabemos se é um bebê querido, não sabemos se a comunidade internacional de fato o irá acolher", comparou Antonio Hill, porta-voz da Oxfam na conferência.
A Anistia Internacional considera a Rio+20 um passo atrás quanto aos direitos humanos. "Perdemos todos e todas", avalia o diretor da Anistia no Brasil, Ítalo Roque. "Em busca de conseguir um documento final, os direitos humanos e os direitos reprodutivos das mulheres foram colocados na mesa como moeda de negociação", diz.
A postura pouco ousada do Brasil também é criticada. "O maior protagonismo do país no cenário global também requer que ele esteja disposto a ir além do mínimo denominador comum", diz Roque.
Mas para autoridades do Palácio do Planalto foi uma "vitória da diplomacia brasileira" o acordo fechado antes do início da reunião de cúpula da conferência. O governo acreditava que, se a costura final do texto ficasse para a última etapa da Rio+20, seria grande o risco do impasse prevalecer. Para a presidente Dilma Rousseff, fracasso seria não ter um texto aprovado por consenso pelos países.
Para o ministro do meio ambiente da Alemanha, Peter Altmaier, a Rio92 foi mais objetiva e tinhas questões mais concretas do que a Rio+20. Na conferência de 2012, ele admitiu avanços, mas se disse decepcionado e frustrado com algumas expectativas que não se concretizaram, como a elevação do Pnuma para o patamar de agência da ONU.
"Meu desapontamento mais importante é que a sociedade esperava um a ação concreta. Em 1992, a principal questão foi a proteção das florestas. Em 2002, foi a questão energética e o crescimento econômico. Em 2012, não temos uma questão concreta", disse Altmaier.
"O Brasil acredita que problemas ambientais são resolvidos localmente. E questões sociais e econômicas, globalmente", resume um negociador europeu que compara a Rio+20 à Rio92. "Neste sentido, nada mudou. Em 1992, o Brasil fez forte oposição à incluir as florestas nas convenções."




Fórum criado na Rio+20 fiscalizará o cumprimento de compromissos 

Atendendo interesse do País, órgão político da ONU cobrará metas de sustentabilidade
25 de junho de 2012 | 3h 03

Lourival Santanna - O Estado de S.Paulo 

RIO - A declaração final da Rio+20 contém 23.917 palavras. Apenas duas vezes aparece a palavra que define o resultado palpável de uma negociação: "decidimos". Os outros parágrafos começam com "reafirmamos", "reconhecemos" e equivalentes. As duas decisões se referem à criação do Fórum de Alto Nível para o Desenvolvimento Sustentável.

 Esse novo fórum é a expressão objetiva de um ganho intangível perseguido há décadas pela política externa brasileira: o avanço do multilateralismo. Ele substituirá a inofensiva Comissão do Desenvolvimento Sustentável, criada na Eco-92. Sua função será fiscalizar o cumprimento de compromissos sobre desenvolvimento sustentável assumidos na Agenda 21 (firmada na Eco-92), no Plano de Johannesburg (na Rio+10) e noutras conferências subsequentes, culminando na Rio+20. A declaração lança um "processo de negociação aberto, transparente e inclusivo sob a Assembleia-Geral (da ONU) para definir o formato do fórum de alto nível e aspectos organizacionais com o objetivo de reuni-lo no começo da 68ª sessão da Assembleia-Geral (em setembro de 2013)". A criação de um órgão político da ONU com dentes voltado para o desenvolvimento sustentável atende ao mesmo tempo a dois objetivos do Brasil: reforçar o multilateralismo e criar condições para cobrar de todos os países, mas especialmente dos ricos em geral e dos Estados Unidos em particular, que façam a sua parte. "A criação do fórum gera esperança de que as Nações Unidas possam trabalhar com a questão do desenvolvimento sustentável num outro patamar", disse a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. "Esperamos que o fórum de alto nível não só seja responsável pela avaliação da implantação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, mas que traga para a centralidade das questões da geopolítica internacional e do multilateralismo a discussão do desenvolvimento sustentável." O fato de uma ministra de Meio Ambiente enfatizar um aspecto geopolítico quando faz o balanço da Rio+20 não é casual. A Rio+20 foi uma conferência sobre o meio ambiente. Mas, como acontece todas as vezes em que dois ou mais países se reúnem, os interesses de Estado se sobrepõem a todos os outros. Prioridade. O fortalecimento do multilateralismo é prioridade da política externa brasileira desde sempre. A razão é simples: o Brasil não é nem será, num horizonte visível, uma superpotência militar ou econômica. Sua projeção global depende de sua liderança política, baseada em sua capacidade de
articular posições com outros países e de apresentar credenciais que o elevem à condição de modelo - em esferas como meio ambiente, inclusão social e direitos humanos. Isso só é possível num ambiente multilateral. O êxito do Brasil na Rio+20, ou o êxito da Rio+20 para o Brasil, é visto pelo governo desse ponto de vista. "O grande ganho dessa conferência é o multilateralismo", disse Izabella. "É difícil construir consensos. Essa é uma das coisas mais ricas das Nações Unidas. É complicado, é complexo. Porque temos de falar e saber ouvir e, com base na posição de todos, construir o consenso." Em muitos momentos da Rio+20, os agradecimentos de representantes de outros países e da ONU pela "liderança" exercida pelo Brasil foram além das declarações protocolares que se fazem normalmente aos anfitriões. Muitas vezes vieram carregados de menções das credenciais brasileiras. "Os grandes esforços do Brasil demonstram, mais uma vez, que o Brasil continua um país profundamente dedicado à causa das Nações Unidas e é uma ponte entre o Norte e o Sul", declarou, por exemplo, Nassir Abdulaziz Al-Nasser, do Catar, o atual presidente da Assembleia Geral da ONU, na abertura da cúpula, na quarta-feira. "Mais que isso, demonstra que o Brasil está dedicado a fazer uma contribuição original à comunidade internacional, demonstrando como um país em desenvolvimento pode ao mesmo tempo perseguir com sucesso a prosperidade material, a justiça social e o bem-estar ambiental." No sistema internacional, o poder é um jogo de soma zero. Para um país ganhar influência, é preciso que outro a perca. Na Rio+20, isso ficou evidente na participação opaca da secretária de Estado americana, Hillary Clinton. Ela não disse uma palavra sobre o tema-chave da conferência: a necessidade de mudança dos padrões de consumo. Com 4% da população do mundo,os EUA emitem 18% do dióxido de carbono. Hillary preferiu anunciar - unilateralmente - programas de ajuda aos países pobres. Mas a premissa de que os países ricos fazem certo e os pobres devem imitá-los já não cola - nem na economia nem no meio ambiente.






RIO +20 

'Inação está levando o planeta ao limite' 
Cientista sueco diz que humanidade já ultrapassou vários limiares importantes para o bom funcionamento da Terra 
Para pesquisador, falta ouvir a ciência durante conferências da ONU; cúpula do Rio 'não refletiu essa urgência'

CLAUDIO ANGELO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO 

O hidrólogo sueco Johan Rockström chegou ao Rio de Janeiro na semana retrasada com uma certeza: a Terra está no limiar de um futuro no qual o risco de colapso ambiental é inédito. E saiu na semana passada com outra: os governos não escutam. Diretor do Centro de Resiliência de Estocolmo, Rockström tornou-se uma espécie de celebridade na academia ao propor, em 2009, o conceito de "espaço de operação seguro" para a humanidade. O grupo de 28 cientistas liderado por ele mostrou, num estudo seminal no periódico "Nature", que a civilização já ultrapassou três de nove barreiras planetárias cujo rompimento pode levar a pontos de virada no sistema terrestre -e a possíveis catástrofes. A pedido do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, Rockström coordenou um grupo de Prêmios Nobel que produziu uma carta com recomendações sobre sustentabilidade global para dar subsídios às decisões da Rio+20, conferência ambiental que terminou nesta sexta no Rio. 
BARRADOS NO BAILE 
Dois dos conceitos-chave da carta, porém, ficaram de fora da declaração final da conferência, "O Futuro que Queremos": o empoderamento das mulheres e o próprio reconhecimento de que limites planetários existem. O que, para o pesquisador sueco, é uma má notícia, já que o avanço da ciência anda mostrando que a transgressão desses limites é ainda mais séria do que seu grupo imaginava em 2009. Na pesquisa original, os três limites já transpostos eram os de biodiversidade, mudança climática e ciclo do nitrogênio (ligado ao uso excessivo de fertilizantes, entre outras mazelas ambientais).
"O que aconteceu desde então é que nós aprendemos mais sobre o limite do fósforo e descobrimos que já o transgredimos", declarou Rockström à Folha no Riocentro, um dos "palcos" da Rio+20. "Não é uma mensagem que muita gente goste de ouvir, mas estamos chegando ao teto do que o planeta é capaz de suportar sem gerar nenhuma surpresa." O hidrólogo compara o sistema planetário a uma "mãe muito compreensiva" que aceitou ser usada como "lata de lixo" sem grandes problemas até recentemente. "Hoje nós vemos que essa era chegou ao fim. E nós não sabíamos disso em 2005, não sabíamos disso em 2002, certamente não sabíamos disso em 1992. É uma situação tão nova que nós perdemos qualquer liberdade", afirma. 
CADÊ A CIÊNCIA? 
Rockström também critica o que vê como marginalização da ciência no debate político das conferências ambientais da ONU. "A ciência precisa entrar nas negociações, hoje ela está fora", diz. Um exemplo seria o resultado da conferência do clima de Durban (África do Sul), que deixou para 2020 a redução de emissões de gases causadores do efeito estufa, como o CO2. "Do ponto de vista científico, é uma irresponsabilidade total. Se você adiar a ação para 2020, o ritmo da redução terá de ser de 7% a 8% por ano. Mas fazer 200 países reduzirem emissões de 7% a 8% por ano não é viável, não consigo enxergar a revolução tecnológica que permitiria que isso acontecesse." Por tudo isso, ele afirma que a Rio+20 "não nos leva muito longe" para resolver o problema. "O texto não reflete a urgência que enfrentamos. É uma uma enorme encruzilhada para a humanidade. Se não acertarmos agora, será tarde demais: a Rio+30 não vai resolver. Então há razão para preocupação." Ele também fez críticas à imprensa por dar espaço aos poucos cientistas que minimizam a gravidade da situação. "Os jornalistas simplesmente não conseguem distinguir o que 99% dos cientistas dizem do que diz um punhado de homens provocadores, excêntricos e idosos."

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