terça-feira, 18 de outubro de 2011

CAVERNAS TECNOLÓGICAS *


FÁBIO   J.  A.   PEDROSA


RESUMO

O ensaio aborda a crise ambiental atual, destacando que a apropriação predatória dos recursos naturais constitui um reflexo de nossos padrões sociais, econômicos e culturais. Aponta, ainda, o ritmo acelerado da degradação ambiental como o maior desafio  a ser resolvido urgentemente pelos governos e sociedade global.

Dessa forma, mostra a necessidade de distinguir o crescimento econômico do efetivo desenvolvimento, bem como inserir as questões ambientais nas tomadas de decisão dos gestores, visando a sustentabilidade ambiental, social e econômica do nosso modelo civilizatório .

Nesse sentido, advoga que é imprescindível uma revisão de valores e atitudes sociais, substituindo os ultrapassados modelos cartesianos e segmentados de compreensão da realidade por outros mais holísticos e abrangentes, certamente mais adequados ao terceiro milênio, na perspectiva de promover, de forma plena e sustentável, o desenvolvimento.


PALAVRAS CHAVE:

SUSTENTABILIDADE ECOLÓGICA; ABORDAGEM SISTÊMICA; ÉTICA AMBIENTAL.

Nessa aurora do milênio, a Humanidade atravessa um momento histórico singular e decisivo, marcado por uma crise ambiental que tem suas origens num modelo econômico, concebido principalmente a partir do século 18, cujo tripé de sustentação baseado no capital, trabalho e recursos naturais apresenta sinais de esgotamento cada vez mais contundentes.

Enquanto os dois primeiros ainda hoje estão distantes daquilo que poderia ser chamado de convivência harmoniosa, o último componente desse tripé, os recursos naturais, raramente foi levado em consideração de forma relevante. A título de exemplo, se o passivo ambiental norte-americano fosse computado no cálculo do Produto Interno Bruto daquele país, esse estaria estagnado desde os anos setenta do século passado.

Tem-se atualmente uma relação extremamente desequilibrada nas relações de produção e consumo. Enquanto apenas 25% da população mundial consomem mais de 70% dos recursos naturais do planeta, os outros 75% têm a sua disposição os recursos restantes. Uma simples observação matemática nos mostra a insustentabilidade ecológica desse modelo voraz e insaciável. Se toda a população mundial consumisse nos níveis dos países mais ricos, os recursos naturais da Terra estariam esgotados até a próxima geração.

A compulsão pelo consumo constitui um elemento tão poderoso em nossa sociedade que pode ser sintetizada numa cena trivial do cotidiano: quantas pessoas seriam capazes de ir a um “ shopping center” e no interior daqueles magníficos templos de deificação do consumo, ao perceber que não encontraram o produto que, de fato, estavam precisando, iriam embora sem levar algo, questionadas pela pergunta: vou voltar para casa de mãos vazias?

Todavia, para atender a esse modelo, tem-se observado a uma apropriação predatória dos recursos naturais, já começando a comprometer a sua capacidade de renovação.

Exemplo emblemático desse quadro é o racionamento de água na Região Metropolitana do Recife. Mesmo levando em conta as deficiências operacionais da COMPESA (Companhia Pernambucana de Saneamento), constitui um cenário altamente surrealista o fato de vivermos numa cidade cortada por rios e localizada na zona da mata “úmida”, onde a poluição dos corpos de água e o desaparecimento de mananciais tem levado a boa parte da população dispor de água nas torneiras apenas quatro dias/mês, como ocorreu recentemente.

Os casos mencionados demonstram que a crise ambiental assume uma proporção que representa o maior desafio para os governos e a sociedade que almeja uma qualidade de vida mais digna. No entanto, para o seu necessário enfrentamento  é imprescindível uma visceral mudança de paradigmas, modelos e comportamentos.

Ë preciso refletir que a forma de apropriação dos recursos naturais é espelho de relações sociais marcadas pela noção de possuidor /possuído, dominador/dominado.


Nesse contexto, a noção de crescimento econômico como indutor hegemônico e absoluto para a melhoria da qualidade de vida entre uma geração e sua sucedânea mostra-se cada vez mais falaciosa. O Brasil foi um dos países que mais cresceram economicamente ao longo do século passado e tem hoje uma população vivendo abaixo da linha de pobreza absoluta equivalente a toda população do país da década de 1940, enquanto que nas grandes cidades gasta-se quase 15% da riqueza produzida com os chamados serviços de “segurança privada” (eufemismo usado para se referir à proteção contra a violência urbana).

Por outro lado, a sedução pelo avanço tecnológico parece irresistível. As pessoas sentem-se fascinadas pelo chamado mundo virtual, muitas vezes configurando uma espécie de fuga de uma realidade cada vez mais brutalizada.

Essas questões vêm sendo discutidas, inclusive, em recentes produções cinematográficas, como, por exemplo, a trilogia ‘Matrix”, na qual há intrigantes diálogos e idéias sobre  a relação do Homem com os recursos naturais disponíveis, abordando, ainda, de forma  bastante provocadora,  nossa  percepção da realidade.

Vale ressaltar que a tecnologia da informática é, sem dúvida, uma poderosa ferramenta de trabalho nas organizações, podendo ser também bastante útil como auxiliar nos processos de aprendizado escolar. Porém, é importante discernir entre o que vem a ser acúmulo de dados, informações e conhecimento.

Contudo, o caráter individualista e competitivo de nossas sociedades ocidentais, principalmente, tem levado as pessoas, especialmente da classe média, a buscarem informação a qualquer custo, sob pena de ficarem “obsoletas”, passando as madrugadas viajando no espaço virtual numa busca frenética por informações.

Nessa perspectiva, a seguinte cena não seria tão improvável de ocorrer: imaginemos uma pessoa que esteja conversando com um internauta estrangeiro. Num dado momento, sofre um infarto. O que tem de sensato a fazer? Pedir socorro ao vizinho do lado? Mas, como fazer isto, se ele mal sabe o nome do vizinho, pois nem participa das reuniões condominiais? A saída seria digitar no teclado: help, help, l’m dying.. . .e aguardar pelo socorro instantâneo.

Um olhar mais demorado e profundo da realidade que vivemos mostra que o nosso comportamento social não difere muito dos ancestrais que habitavam as cavernas pré-históricas. Nossa civilização vem nos impondo um outro tipo de habitação, certamente mais sofisticada e aparelhada que aquela de nossos antepassados, porém social e eticamente quase tão primitiva: vivemos em cavernas tecnológicas.

A competição exacerbada, a falência de nossas estruturas sociais, a apropriação irracional dos recursos naturais, não observando a capacidade de suporte ambiental (vide a deterioração da qualidade de vida dos moradores de bairros recifenses como  Boa Viagem, com a superocupação imobiliária), são reflexos de uma crise maior e mais profunda, essencialmente ética, produto da falência de modelos e paradigmas que concebem a natureza como um enorme mecanismo, passível de manipulação de suas peças.

A crise global evidencia uma época de transição crucial no processo histórico da Humanidade.

Observando a trajetória das civilizações, verificamos o inexorável ciclo de surgimento, crescimento, expansão, decadência e extinção. Assim ocorreu, por exemplo, com os impérios romano, espanhol e britânico.

Nesse sentido, os dramáticos acontecimentos do dia 11 de setembro de 2001, quando o Mundo assistiu, “ao vivo, em cores e on line’, estarrecido,  à queda de símbolos de uma civilização, alertam, por um lado, para a necessidade vital do diálogo entre as civilizações e , por outro,  para um ponto de mutação histórico.

Por sua vez, os sistemas geoambientais, responsáveis pala sustentação da biodiversidade, nos mostram os fenômenos das marés, do dia/noite, das estações, evidências perceptíveis ao senso comum da ciclicidade planetária.

Dessa forma, torna-se imperioso estabelecer a diferença entre ver e enxergar a realidade, pois apenas revisando o nosso modelo civilizatório estaremos em condições de participar dignamente da aurora deste que vem sendo anunciado como a era do conhecimento: o terceiro milênio.

Momento oportuno para discutirmos o que é qualidade de vida? O que é desenvolvimento? Para que e a quem serve o conhecimento tecnológico? E, principalmente, que herança estamos deixando para a próxima geração?

Afinal, urge que nossa civilização perceba que os processos históricos não são necessariamente lineares, de modo  a conseguir reverter a atual escalada de degradação sócio-ambiental, associada ao nosso modelo “ mecanicista cartesiano globalizante” de desenvolvimento.

Eis, portanto,  a chance histórica de nossa espécie provar ao Planeta que fazemos jus à  designação de “ Homo sapiens” e que o Ocidente não é, como muitos pensadores admitem, um acidente histórico.

·         Artigo Publicado em 2001.

Fábio J. A. Pedrosa é geólogo, professor da Universidade de Pernambuco e da Universidade Católica de Pernambuco.


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