FÁBIO J.
A. PEDROSA
RESUMO
O ensaio aborda a crise ambiental
atual, destacando que a apropriação predatória dos recursos naturais constitui
um reflexo de nossos padrões sociais, econômicos e culturais. Aponta, ainda, o
ritmo acelerado da degradação ambiental como o maior desafio a ser resolvido urgentemente pelos governos e
sociedade global.
Dessa forma, mostra a
necessidade de distinguir o crescimento econômico do efetivo desenvolvimento,
bem como inserir as questões ambientais nas tomadas de decisão dos gestores,
visando a sustentabilidade ambiental, social e econômica do nosso modelo
civilizatório .
Nesse
sentido, advoga que é imprescindível uma revisão de valores e atitudes sociais,
substituindo os ultrapassados modelos cartesianos e segmentados de compreensão
da realidade por outros mais holísticos e abrangentes, certamente mais
adequados ao terceiro milênio, na perspectiva de promover, de forma plena e
sustentável, o desenvolvimento.
PALAVRAS CHAVE:
SUSTENTABILIDADE ECOLÓGICA; ABORDAGEM
SISTÊMICA; ÉTICA AMBIENTAL.
Nessa aurora do milênio, a Humanidade atravessa um
momento histórico singular e decisivo, marcado por uma crise ambiental que tem
suas origens num modelo econômico, concebido principalmente a partir do século
18, cujo tripé de sustentação baseado no capital, trabalho e recursos naturais
apresenta sinais de esgotamento cada vez mais contundentes.
Enquanto os dois primeiros ainda hoje estão distantes
daquilo que poderia ser chamado de convivência harmoniosa, o último componente
desse tripé, os recursos naturais, raramente foi levado em consideração de
forma relevante. A título de exemplo, se o passivo ambiental norte-americano
fosse computado no cálculo do Produto Interno Bruto daquele país, esse estaria
estagnado desde os anos setenta do século passado.
Tem-se atualmente uma relação extremamente desequilibrada
nas relações de produção e consumo. Enquanto apenas 25% da população mundial
consomem mais de 70% dos recursos naturais do planeta, os outros 75% têm a sua
disposição os recursos restantes. Uma simples observação matemática nos mostra
a insustentabilidade ecológica desse modelo voraz e insaciável. Se toda a
população mundial consumisse nos níveis dos países mais ricos, os recursos
naturais da Terra estariam esgotados até a próxima geração.
A compulsão pelo consumo constitui um elemento tão
poderoso em nossa sociedade que pode ser sintetizada numa cena trivial do
cotidiano: quantas pessoas seriam capazes de ir a um “ shopping center” e no
interior daqueles magníficos templos de deificação do consumo, ao perceber que
não encontraram o produto que, de fato, estavam precisando, iriam embora
sem levar algo, questionadas pela pergunta: vou voltar para casa de mãos
vazias?
Todavia, para atender a esse modelo, tem-se observado a
uma apropriação predatória dos recursos naturais, já começando a comprometer a
sua capacidade de renovação.
Exemplo emblemático desse quadro é o racionamento de água
na Região Metropolitana do Recife. Mesmo levando em conta as deficiências
operacionais da COMPESA (Companhia Pernambucana de Saneamento), constitui um
cenário altamente surrealista o fato de vivermos numa cidade cortada por rios e
localizada na zona da mata “úmida”, onde a poluição dos corpos de água e o
desaparecimento de mananciais tem levado a boa parte da população dispor de
água nas torneiras apenas quatro dias/mês, como ocorreu recentemente.
Os casos mencionados demonstram que a crise ambiental
assume uma proporção que representa o maior desafio para os governos e a
sociedade que almeja uma qualidade de vida mais digna. No entanto, para o seu
necessário enfrentamento é
imprescindível uma visceral mudança de paradigmas, modelos e comportamentos.
Ë preciso refletir que a forma de apropriação dos
recursos naturais é espelho de relações sociais marcadas pela noção de
possuidor /possuído, dominador/dominado.
Nesse contexto, a noção de crescimento econômico como
indutor hegemônico e absoluto para a melhoria da qualidade de vida entre uma
geração e sua sucedânea mostra-se cada vez mais falaciosa. O Brasil foi um dos
países que mais cresceram economicamente ao longo do século passado e tem hoje
uma população vivendo abaixo da linha de pobreza absoluta equivalente a toda
população do país da década de 1940, enquanto que nas grandes cidades gasta-se
quase 15% da riqueza produzida com os chamados serviços de “segurança privada”
(eufemismo usado para se referir à proteção contra a violência urbana).
Por outro lado, a sedução pelo avanço tecnológico parece
irresistível. As pessoas sentem-se fascinadas pelo chamado mundo virtual,
muitas vezes configurando uma espécie de fuga de uma realidade cada vez mais
brutalizada.
Essas questões vêm sendo discutidas, inclusive, em
recentes produções cinematográficas, como, por exemplo, a trilogia ‘Matrix”, na
qual há intrigantes diálogos e idéias sobre
a relação do Homem com os recursos naturais disponíveis, abordando,
ainda, de forma bastante provocadora, nossa
percepção da realidade.
Vale ressaltar que a tecnologia da informática é, sem
dúvida, uma poderosa ferramenta de trabalho nas organizações, podendo ser
também bastante útil como auxiliar nos processos de aprendizado escolar. Porém,
é importante discernir entre o que vem a ser acúmulo de dados, informações e
conhecimento.
Contudo, o caráter individualista e competitivo de nossas
sociedades ocidentais, principalmente, tem levado as pessoas, especialmente da
classe média, a buscarem informação a qualquer custo, sob pena de ficarem
“obsoletas”, passando as madrugadas viajando no espaço virtual numa busca
frenética por informações.
Nessa perspectiva, a seguinte cena não seria tão
improvável de ocorrer: imaginemos uma pessoa que esteja conversando com um
internauta estrangeiro. Num dado momento, sofre um infarto. O que tem de
sensato a fazer? Pedir socorro ao vizinho do lado? Mas, como fazer isto, se ele
mal sabe o nome do vizinho, pois nem participa das reuniões condominiais? A
saída seria digitar no teclado: help, help, l’m dying.. . .e aguardar pelo
socorro instantâneo.
Um olhar mais demorado e profundo da realidade que
vivemos mostra que o nosso comportamento social não difere muito dos ancestrais
que habitavam as cavernas pré-históricas. Nossa civilização vem nos impondo um
outro tipo de habitação, certamente mais sofisticada e aparelhada que aquela de
nossos antepassados, porém social e eticamente quase tão primitiva: vivemos em cavernas tecnológicas.
A competição
exacerbada, a falência de nossas estruturas sociais, a apropriação irracional
dos recursos naturais, não observando a capacidade de suporte ambiental (vide a
deterioração da qualidade de vida dos moradores de bairros recifenses como Boa Viagem, com a superocupação imobiliária),
são reflexos de uma crise maior e mais profunda, essencialmente ética, produto
da falência de modelos e paradigmas que concebem a natureza como um enorme
mecanismo, passível de manipulação de suas peças.
A crise global evidencia uma época de transição crucial no processo
histórico da Humanidade.
Observando a trajetória das civilizações, verificamos o
inexorável ciclo de surgimento, crescimento, expansão, decadência e extinção.
Assim ocorreu, por exemplo, com os impérios romano, espanhol e britânico.
Nesse sentido, os dramáticos acontecimentos do dia 11 de
setembro de 2001, quando o Mundo assistiu, “ao vivo, em cores e on line’,
estarrecido, à queda de símbolos de uma
civilização, alertam, por um lado, para a necessidade vital do diálogo entre as
civilizações e , por outro, para um
ponto de mutação histórico.
Por sua vez, os sistemas geoambientais, responsáveis pala
sustentação da biodiversidade, nos mostram os fenômenos das marés, do
dia/noite, das estações, evidências perceptíveis ao senso comum da ciclicidade
planetária.
Dessa forma,
torna-se imperioso estabelecer a diferença entre ver e enxergar a realidade,
pois apenas revisando o nosso modelo civilizatório estaremos em condições de
participar dignamente da aurora deste que vem sendo anunciado como a era do
conhecimento: o terceiro milênio.
Momento oportuno para discutirmos o que é qualidade de
vida? O que é desenvolvimento? Para que e a quem serve o conhecimento
tecnológico? E, principalmente, que herança estamos deixando para a próxima
geração?
Afinal, urge que nossa civilização perceba que os
processos históricos não são necessariamente lineares, de modo a conseguir reverter a atual escalada de
degradação sócio-ambiental, associada ao nosso modelo “ mecanicista cartesiano
globalizante” de desenvolvimento.
Eis, portanto, a
chance histórica de nossa espécie provar ao Planeta que fazemos jus à designação de “ Homo sapiens” e que o
Ocidente não é, como muitos pensadores admitem, um acidente histórico.
·
Artigo Publicado em 2001.
Fábio
J. A. Pedrosa é geólogo, professor da Universidade de Pernambuco e da
Universidade Católica de Pernambuco.
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